AUTOCONHECIMENTO E BEM-ESTAR NA SAÚDE INTEGRATIVA

Medicina, Ciência e Espiritualidade Integradas

Este artigo é voltado tanto para terapeutas quanto para a reflexão do próprio paciente. Apresento aqui uma visão mais ampla sobre a saúde e a doença.

São infindáveis os estudos sobre as relações entre os estados emocionais e as patologias físicas, que usualmente se consideram como isoladas do todo, independentes do momento emocional que o paciente atravessa, ou seja, como resultado de puro acaso.

Dados os casos tão semelhantes que se observam em diferentes países com pessoas de diferentes antropomorfologias, géneros, idades e condições sociais, não é possível ignorar a relação causa-efeito entre psique e soma. E uma vez que, recuperando premissas de antigos médicos, da antiguidade grega à própria Medicina Chinesa milenar, “o paciente deve estar na disposição de abolir as causas de sua responsabilidade que contribuíram para a doença”, então, se nos for possível descortinar uma relação entre o mal-estar físico que traz o paciente à clínica e a situação emocional que ele vive ou viveu no passado mas que continua a ter algum “poder” sobre o seu estado de espírito, devemos valorizá-lo e relatá-lo ao nosso paciente. Isto é um desafio para nós, uma vez que a matéria é vasta e não está, ainda, resumida em volumes de cariz científico.

Por isso, somos deixados à nossa liberdade de associar os dois mundos do paciente – emocional e físico. Muitas vezes, as queixas não são, sequer, físicas, mas do próprio humor – depressão, ansiedade, insónia, desconcentração, memória precária, etc. E também estas podem ter por detrás um episódio mal resolvido na história pessoal do indivíduo. Podemos encontrar ou não pistas, e as que encontrarmos podem ou não fazer sentido para o paciente. Mas a verdade é que, se essas pistas forem fundamentadas e se fizerem sentido para o paciente, o trabalho clínico que se segue é muito mais bem-sucedido.

Esse trabalho para  se desenvolver de maneira sustentável, precisa que esta nova abordagem da Doença comece a ser acreditada e fundamentada cada vez mais de um ponto de vista científico. Pois já percebemos que apesar das explicações puramente biológicas da doença estarem a ser questionadas em diversos estudos que evidenciam a influência da mente e das emoções nos estados de saúde, estas ainda não são predominantes na Medicina.

Acredito que cabe assim aos profissionais na área da Medicina Integrativa e Complementar abrirem caminho, de maneira a ampliar o campo de visão, para que as reflexões acerca da interação entre os aspetos somáticos, cognitivos e emocionais contribuam cada vez mais para a questão dos fundamentos a partir dos quais a ciência médica se constrói e se desenvolve.

Quando nos começamos a questionar e a alargar o leque de conhecimento dentro desta temática, percebemos que a manifestação do sintoma vai muito além do consciente e do mundo tangível, e que começa a atingir dimensões que só são possíveis de serem compreendidas quando se acredita no nascimento de uma nova ciência que pretende alcançar o mundo espiritual e esclarecer a diferença entre misticismo e a ciência dimensional.

Chegamos então a um momento em que a Ciência e a Espiritualidade já não se encontram tão afastadas uma da outra, começamos a compreender que o Ser Humano é mais do que um corpo físico, e que existem outras dimensões para além da matéria.

Quando atingimos este estado de consciência e de percepção da realidade, conseguimos ampliar o nosso campo de visão e podemos realmente começar a encaminhar o paciente para aquilo que o sintoma físico pretende através da sua manifestação na matéria: passar uma mensagem. Podemos perceber que a doença tem um propósito e uma finalidade. A nossa alma comunica através das manifestações físicas que nos aparecem, pois, o inconsciente para falar connosco, precisa de encontrar uma forma que o consigamos interpretar. A doença acaba por ser o veículo dessa comunicação, uma vez que a dor e o desconforto não nos deixam olhar para o sintoma como algo secundário e que pode ser colocado de lado. Está sempre presente a tentar chamar a atenção.

Então se abordamos as reflexões sobre a interação entre corpo e mente, sob as perspetivas de que as doenças e acidentes são projeções dos nossos pensamentos e que qualquer distúrbio orgânico tem ligação com estados emocionais ou comportamentais, iremos começar a apresentar aos pacientes um trabalho que assenta na ideia de que a cura das doenças passa pelo autoconhecimento. Esse reconhecimento de si mesmo, segundo as propostas apresentadas pelas principais abordagens da Psicossomática e da Terapia Simbiológica, é obtido através da interpretação dos sintomas, uma vez que estes estudos defendem que no sintoma da doença espelha-se aquilo que a mente se esforça por rejeitar e esconder.

Assim, se a grande parte das propostas apresentadas pelos Somatistas sobre as causas das doenças tiver fundamento, de um ponto de vista clinico, este conhecimento fornece uma ferramenta extremamente útil ao profissional no sentido de ajudar o/a paciente a ultrapassar mais rapidamente ou, quem sabe, definitivamente o problema que o/a levou a pedir ajuda, já que a importância que nos mostram estes estudos e abordagens é que a ferramenta que nos é apresentada permite-nos utilizar a doença e os seus sintomas como eixo central para a cura.

Precisamos assim, de explicar ao paciente que a doença que se desenvolveu tem um papel fundamental na nossa evolução pois torna-nos sinceros e revela o que estava escondido nas nossas mentes. O paciente precisa de compreender que a doença por ser um estado de imperfeição e vulnerabilidade, também nos vem pedir que sejamos humildes para reconhecer que a ideia que temos de nós mesmos é uma ilusão, pois quando falamos de autoconhecimento, estamos a falar do processo que nos permite resgatar conteúdos do nosso inconsciente. E que se as doenças começam num processo de não aceitação, levando a uma luta interior, significa o quanto as nossas questões psicológicas e emocionais interferem no nosso equilíbrio físico e mental.

Durante este caminho de autodescoberta, o paciente tem de auscultar-se a si próprio e estabelecer a comunicação com os seus sintomas se deseja vir a perceber o teor da mensagem. Tem de estar disposto a questionar-se rigorosamente acerca das suas opiniões e fantasias a respeito de si mesmo e assumir conscientemente aquilo que o sintoma lhe procura transmitir por via do corpo. Por outras palavras, tem de conseguir tornar o sintoma supérfluo reconhecendo aquilo que lhe falta. A cura está sempre associada a uma ampliação do conhecimento e ao amadurecimento.

Neste processo, o terapeuta acaba por desempenhar um papel de facilitador para desbloquear ou descodificar esta mensagem. Cabe a cada terapeuta aperfeiçoar a sua “observação” para além das queixas físicas e emocionais e a capacidade de ajudar os seus pacientes com as suas questões sem os expor demasiado. Por norma é possível deduzir se a nossa interpretação está correta ou não pela reação que ela suscita nos pacientes. As interpretações corretas começam por desencadear uma espécie de mal-estar, uma sensação de medo e, por conseguinte, de afastamento. Isto acontece porque uma observação, quando é acertada, dói.

Temos, contudo, de ter presente que não temos todos o mesmo nível de consciência e nem sempre estamos preparados para ouvir o que não queremos ouvir. É preciso relembrar que quando falamos de um aspeto psíquico reprimido referimo-nos àquilo que não é reconhecido pelo indivíduo de modo consciente. Pode dar-se o caso de uma pessoa viver plenamente o aspeto em causa sem que reconheça em si própria semelhante propriedade. No entanto, pode também dar-se o caso de que essa propriedade tenha sido reprimida de um modo tão absoluto que a pessoa não a viva.

Mas nestes casos, mesmo que um paciente não esteja preparado para este processo de autoconhecimento e expansão de consciência, podemos pegar nas ferramentas que a medicina chinesa nos apresenta e tentar ajudar o paciente sem o “forçar conscientemente” a isso.

Precisamos também ter ciente de que existem ganhos secundários com as doenças. Então, por vezes, através da doença sempre se consegue aquilo que não se conseguia obter sem sintomas – atenção, compaixão, dinheiro, tempo livre, auxílio e poder social sobre os demais. Este benefício secundário da doença que se consegue através do recurso ao sintoma como instrumento de domínio, não raras vezes constitui um impedimento à cura.

Mas como terapeutas, se conseguirmos transmitir a ideia de que a responsabilidade por tudo o que nos acontece na vida recai unicamente sobre nós e que a solução para a cura passa também por uma reeducação e por uma assimilação constante de novidades que conduz à expansão da consciência, então iremos ter perante nós uma verdadeira transformação que levará à cura, tanto do plano físico como no plano anímico.

Acredito que as Medicinas Integrativas chegam nesta altura para despertar consciências, para colocar a responsabilidade novamente no paciente do seu estado de saúde e passar a mensagem de que a cura passa por um processo de reeducação, onde temos de passar a ter uma nova forma de ver, de sentir e de pensar a Vida.

Essa nova abordagem não apenas amplia o nosso entendimento da interação mente-corpo, mas também abre caminho para uma compreensão mais profunda do ser humano como um todo integrado, onde a espiritualidade e a ciência se encontram em benefício da saúde e do bem-estar integral.

Patrícia Carneiro
Artigo publicado na Revista Medicina Integrativa a 08 de julho de 2021

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