Acabaste de Partir

Quando alguém que amamos se vai embora

Uma das maiores dores que podemos experienciar é o luto. É sentir, profundamente, a partida de alguém que amamos.

O luto não se resume à morte. Há também o luto em vida — a perda de pessoas que continuam presentes, mas que se afastam emocionalmente ou de formas que nos marcam. A tristeza sentida pela dor do abandono é intensa: o pulmão contrai, o coração parece esmagado, e a alma seca de tristeza.

Segundo a medicina chinesa, cada tipo de luto afeta o corpo de maneira distinta. O luto da separação — quando alguém se afasta ou nos deixa de forma emocional — impacta o rim e o pericárdio. O luto da morte, por sua vez, afeta o pulmão. Embora diferentes, ambos exigem atenção, respeito e tempo.

O luto da separação deve ser vivido por menos tempo que o luto da morte, que, segundo textos antigos, é opressivo e intenso. É permitido, e até necessário, prolongar a experiência do luto da morte por até três anos, mas sempre com cautela. Um luto crônico deixa de ser a experiência natural da perda e torna-se um adoecimento psíquico. Não devemos permitir que a tristeza nos consuma ao ponto de nos destruir.

Vivenciar A Perda De Forma Harmoniosa

Como, então, experienciar a perda de maneira que nos transforme em vez de nos ferir? Devemos deixar as lágrimas correrem, mas ao mesmo tempo, cultivar pensamentos saudáveis e equilibrados. A qualidade do que pensamos determina a qualidade da nossa energia.

Cada pessoa vivencia a perda de forma única, mas trazer racionalidade ao processo — não para camuflar a dor, mas para elevar o sentimento — ajuda a não nos perdermos em emoções excessivas.

Perante a perda, podemos escolher: nos tornamos vítimas ou nos tornamos fortes. O esforço é o mesmo, mas a evolução acelera quando aceitamos sair do papel de vítima. Muitas vezes, é a própria perda que impulsiona o nosso crescimento.

Entre a Dor e a Consciência

Relembro-me de um atendimento em que acompanhei uma senhora — chamá-la-ei, para proteger a sua identidade, de “Teresa”. Teresa carregava um luto por alguém ainda vivo há mais de dez anos. A dor do abandono e rejeição era tão profunda que a tristeza a consumia, e os pensamentos ficaram presos numa teia de armadilhas mentais, dificultando qualquer movimento para a frente.

É precisamente aqui que o autoconhecimento se revela essencial. A qualidade dos nossos pensamentos e a capacidade de observar a vida através de lentes elevadas determinam a forma como sentimos os acontecimentos. Observar, compreender e integrar permite-nos transformar a dor em aprendizagem, em vez de sermos engolidos por ela.

Como refere Luís Portela na série “Para Além do Cérebro”, as vantagens do autoconhecimento incluem o prazer de um comportamento equilibrado e a sensação de bem-estar connosco próprios, com os outros e com a vida. É este equilíbrio que nos permite atravessar o luto sem nos perdermos, encontrando crescimento mesmo nas dificuldades mais profundas.

Forças que Surgem na Dor

O corpo e a mente passam por um turbilhão de emoções diante da perda, mas é nesse movimento que encontramos oportunidade de crescimento.

A vida, através da intrafisicalidade da existência, oferece-nos desafios que, quando atravessados com consciência, nos permitem evoluir. Perder alguém não significa apenas dor — pode também ser uma porta para descobrir forças interiores que desconhecíamos possuir.

Encontrar O Que se Foi

E quando alguém que amamos fecha os olhos para a vida? Nesse momento, só podemos encontrar essa pessoa no nosso coração. Como fazer para a escutar? E como guardá-la de forma que nos inspire e nos fortaleça?

Partilho um texto que surgiu a partir de uma reflexão do Dr. Augusto Cury e que foi de grande inspiração para mim.

“Vou homenagear o meu pai sendo mais alegre, sendo mais feliz. Se ele era tão importante, se ele era insubstituível na minha vida, então não o vou punir na aflição. Por amor a ti, vou dar o melhor de mim para fazer os outros mais felizes. Por amor a ti, não vou tornar a vida injusta comigo. Por amor a ti, vou doar-me mais à sociedade, vou começar a ser útil para as pessoas e tornar a minha vida um espetáculo imperdível de viver.
A depressão não honra a história de vida de quem partiu. É uma atitude que não considera a grandeza da história de vida que ele teve. Vou escrever uma belíssima história diante do próprio caos.”

Na verdade, quem se foi permanece sempre connosco, no nosso coração. Mas a nossa atitude é o que determina a qualidade dessa presença: será que estará lá em dor, aflição, depressão ou mágoa? Ou estará connosco em amor, aceitação e compaixão?

A escolha é nossa — seja no luto da morte ou no luto da separação.

Podemos deixar que a dor nos aprisione, ou podemos transformar a memória numa fonte de vida, aprendizagem e crescimento.

O Reencontro Além da Separação

E para concluir, quero partilhar um pouco da minha própria travessia no processo do luto da morte. No momento da partida do meu pai, ouvi algumas frases que achei interessantes e que refletem muito do que partilhei até aqui. Guardei-as comigo, e deixo-as agora registadas, porque acredito que também podem trazer conforto e leveza a quem esteja a passar por esta experiência.

  • “Não é que ele não está mais aqui, é que ele se mudou para dentro de nós.”
  • “Eu não perdi o meu pai. Eu devolvi-o a quem mo emprestou.”
  • “O luto não é algo que se resolve. É algo que se atravessa.”
  • E claro, esta foi o meu próprio pai que me deixou: “eu não estou longe, estou apenas do outro lado do caminho.”

 

Quando compreendemos a multidimensionalidade da vida, sabemos que a separação é apenas temporária.

Sim, um dia iremos reencontrar-nos. Por agora, não sou eu quem determina quando poderei voltar a ver-te. Mas alimento a esperança desse reencontro, talvez já na próxima projeção astral.

Até lá, resta-me sentir a tua energia, acolher as tuas sinaléticas e as mensagens que me chegas a transmitir. Ainda assim, reconheço: como eu gostaria de te ter deste lado…

Recebe o meu abraço apertado.

Com amor,

Patrícia

Artigo publicado na Revista Medicina Integrativa em setembro de 2025

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